Prefácio, pelo Maestro Isaac Karabtchevsky



“A Revolução Industrial, que se expandiria pelo mundo a partir do século XIX, trouxe também profundas transformações no universo musical. Os pequenos conjuntos, aqueles que se condicionavam às salas e teatros de pequenas dimensões, foram confrontados com espaços enormes, não necessariamente condizentes com normas de excelência acústica. Compositores como Hector Berlioz já intuíam o processo, como bem comprova a primeira audição da Sinfonia Fantástica, acompanhada de um programa literário escrito pelo próprio compositor, em 1836. Além disso, a obra tem dimensões colossais para a época, desde a introdução de tubas, até então restritas às bandas militares, às inúmeras harpas exigidas pelo compositor e a um número inusitado de instrumentos de corda. Toda essa euforia instrumental deveria ser acompanhada pela figura do regente, que assume, desde então, um papel central na execução de partituras mais densas em número de intérpretes e complexidade estrutural.

            “Começa aí uma verdadeira revolução da prática da música de concerto e das óperas: o regente, até então condicionado a dirigir, organizar e deixar fluir o discurso musical, passa a exercer função primordial como elemento de ligação das ideias do compositor aos instrumentistas ou cantores. Da sua atuação provém o impulso criador que poderá elevar a partitura a níveis transcendentes ou transformá-la em algo banal.  Ele não só especializa a arte abstrata dos sons, mas integra-a como parte de um critério interpretativo; além disso, sua atuação ultrapassa essa dualidade e se inscreve dentro de parâmetros do imponderável, da mística, da aura que acompanha o artista e que determina a sua sonoridade aos conjuntos que dirige.

            “Lembro-me de um dos últimos concertos de Karajan no Festival de Salzburg, quando ele dirigia a Filarmônica de Berlim, na semana que precedia um concerto da mesma orquestra com Claudio Abbado. A sonoridade da orquestra, sempre compatível com seus níveis de excelência, era diametralmente oposta, de um para outro concerto. Como explicar o contraste, se os músicos eram os mesmos? A análise mais profunda do fato repousa numa esfera mais relacionada à psicologia, na relação freudiana indivíduo-massa, do que em qualquer outro fator mais lógico. O regente consegue transmitir através do gesto uma noção explícita de como deve soar um conjunto!

            “O ensaio Do gesto à gestão, de Rita Fucci-Amato e Martinho Lutero Galati revela todo este amplo e fascinante universo da atividade do maestro. Com sensibilidade e perfeito conhecimento da matéria, seus autores descrevem a diversidade que norteia a atuação do regente, naqueles aspectos pouco conhecidos do público em geral. Do gesto à gestão constitui, a partir de agora, elemento referencial para todos, músicos ou apenas interessados num dos temas mais complexos e interessantes da História da Música.”

São Paulo, 19 de dezembro de 2012

Regente titular da Sinfônica Heliópolis e diretor artístico do Instituto Baccarelli
Diretor artístico e regente titular da Orquestra Petrobras Sinfônica
Diretor artístico do Teatro Municipal do Rio de Janeiro
Regente convidado da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp)

























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